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Um Bárbaro que nos Mostra a Barbárie da Civilização

Cena do filme Conan, o Bárbaro de 1982
Cena do filme Conan, o Bárbaro de 1982

As revistas pulp foram publicações populares e acessíveis que floresceram entre as décadas de 1920 e 1950, vendidas por jornais e bancas por algumas dezenas de centavos. Elas abrangiam uma ampla variedade de gêneros — aventura, mistério, ficção científica, faroeste, horror, fantasia e muito mais — e foram um terreno fértil para o desenvolvimento de personagens marcantes e narrativas empolgantes. Títulos emblemáticos como Amazing Stories, Adventure, Weird Tales e Black Mask tornaram-se ícones do gênero. Essas publicações não apenas democratizaram o acesso à literatura, mas também moldaram estilos como a ficção científica e a espada e feitiçaria, influenciando fortemente a cultura popular e revelando talentos que viriam a se tornar grandes nomes da literatura.


Muitos autores que hoje são clássicos da ficção começaram escrevendo para as pulps. Dashiell Hammett e Raymond Chandler, por exemplo, desenvolveram o gênero detective com nuances realistas e complexos anti-heróis, influenciando fortemente o noir e a literatura policial moderna. Outro nome relevante é Carroll John Daly, pioneiro no estilo ficção policial, cujas histórias violentas e urbanas estabeleceram os moldes da investigação e do “detetive durão”. Além disso, nomes como Henry Bedford-Jones, conhecido como o “Rei das Pulps” por sua incrível produção literária e H. P. Lovecraft, o idealizador do horror cósmico, também deixam sua marca nesse legado. As pulps tiveram ainda impacto em muitos outros autores célebres, como Ray Bradbury, Isaac Asimov, Philip K. Dick, entre tantos outros que foram diretamente influenciados por esse estilo literário popular.


Revistas pulp de grande circulação no inicio do século XX
Revistas pulp de grande circulação no inicio do século XX

Dentre todos esses grandes artistas, um nome que não pode deixar de ser mencionado é o de Robert E. Howard, criador de Conan, personagem que consolidou o subgênero espada e feitiçaria com suas narrativas sombrias e heroicas. A gênese do personagem começou a se formar em 1931, quando Robert E. Howard usou o nome “Conan” para um personagem gaélico em uma história sobre vidas passadas publicada em Strange Tales of Mystery and Terror. No entanto, foi só em fevereiro de 1932, durante uma viagem às margens do Rio Grande, que Howard idealizou o verdadeiro Conan como guerreiro da fria Ciméria, e escreveu o poema “Cimmeria”, a semente do herói bárbaro. Para dar forma ao personagem, Howard revisitou e remodelou sua história anterior, Com Este Machado, Eu Governo!, substituindo o protagonista original pelo novo Conan e transformando-a em A Fênix na Espada, publicada na icônica Weird Tales em dezembro de 1932. Esse conto provocou tamanho impacto que o editor exigiu a criação de um ensaio detalhado sobre a fictícia “Era Hiboriana”, o caldo de fundo para todas as aventuras subsequentes do bárbaro.


Mundialmente, Conan é conhecido como um bárbaro, e é comum que as pessoas imaginem que esta descrição esteja associada a selvageria de alguém. O barbarismo, no sentido histórico, não deve ser compreendido apenas como sinônimo de selvageria ou ausência de civilização, mas como um estágio de organização social situado entre a vida tribal primitiva e o surgimento das primeiras sociedades estatais. Contudo, assumindo momentaneamente que ajam semelhanças na barbárie e na selvageria, no contexto das histórias de Conan é possível extrair um material produtivo.


Robert E. Howard, criador do Conan
Robert E. Howard, criador do Conan

Nas histórias de Conan, a fantasia vira um laboratório de ideias. Howard usa o bárbaro como espelho para discutir até onde vai a civilização e onde começa a barbárie. Uma análise interessante abordada no livro “A Filosofia em Conan, o Bárbaro”, de Afrânio W. Tegão, mostra um Conan cuja autenticidade e código de honra confrontam a decadência urbana: é o velho embate entre o “bom selvagem” rousseauniano e o pessimismo hobbesiano, atravessado por ecos de vontade (Schopenhauer/Nietzsche) e pela pergunta prática sobre poder, justiça e liberdade. Ao resenhar essa chave de leitura, destaca-se que, sob o vigor físico e a aventura, há um debate sobre moralidade, desejo e a tentação do cinismo.


Quando seguimos Conan pelos reinos hiborianos, essas ideias ganham materialidade. O cimério desconfia de sacerdotes e instituições, cultua uma religiosidade áspera (Crom, seu deus, concede coragem, não conselhos), e escolhe a ação como medida de verdade — uma ética da liberdade que o coloca contra tronos corruptos e magos decadentes. Quando ele próprio se torna rei, irrompe a questão maquiaveliana: é possível governar sem trair o próprio código?


Na visão de Howard, a chamada “civilização bárbara” é o estágio inverso da barbárie: uma sociedade que se diz civilizada, mas está corroída pela decadência moral e pela hipocrisia institucional. Embora os hiborianos construam estruturas elaboradas, templos imponentes e leis ostensivas, essas instituições frequentemente mascaram conveniências, corrupção e alienação, aquilo que Howard critica como a “barbárie disfarçada de civilidade”. Ao colocar Conan no coração desse conflito, Howard mostra que a verdadeira barbárie, encarnada pelo cimério, sustenta-se na força do caráter, na transparência da violência e em um código de honra pessoal que despreza a sofisticação perversa da civilização. Num contraponto filosófico, o herói não se distancia da civilização por ignorância ou recusa ética, mas por sabedoria: sua barbárie é uma forma de civilidade autêntica, cultivada na clareza da brutalidade e no combate direto às ilusões e artifícios do poder institucional.


Dessa forma, Conan não é apenas um herói de aventuras fantásticas, mas um arquétipo que nos provoca a refletir sobre o que realmente significa ser civilizado, ou o que pode ser. Suas narrativas expõem o paradoxo de sociedades que, embora se autoproclamem evoluídas, escondem sob a máscara da ordem a corrupção, a decadência e a opressão. Ao encarnar um bárbaro que vive segundo princípios diretos, Howard nos oferece uma crítica mordaz: talvez a verdadeira barbárie não esteja nos atos brutos de força, mas na degradação moral daquilo que chamamos de “coisas civilizadas”. Nesse sentido, Conan permanece atual, pois revela que, por trás da fachada da civilização, a barbárie pode ser ainda mais sutil, disfarçada e perigosa.


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