Do Nordeste ao Sul: minha jornada de autodescoberta
- Álvaro Victor

- 4 de out.
- 3 min de leitura
Nasci em Maceió, Alagoas, numa quarta-feira chuvosa. Minha mãe sempre lembra que eu vim ao mundo dormindo, tão quieto que ela pensou que eu tinha nascido morto. Foi só quando a enfermeira disse “Não mãe, ele está bem, não se preocupe, ele só é um dorminhoco” e tome-lhe lapada no bumbum, que eu abri o berreiro. E como chorei, alto e forte, talvez anunciando que minha vida seria intensa desde o começo.
Grande parte da minha história está em Maceió, onde vivi mais tempo, onde estão muitas das minhas memórias de infância, amizades e primeiras descobertas. Mas Catende, em Pernambuco, também faz parte de mim. Era lá que eu passava fases importantes, na terra da mulher da sombrinha. Brincava na rua com minha prima até o apito da usina soar às seis da tarde, chamando as crianças para casa, todas com os pés pretos de carvão e o cheiro doce da cana impregnado no ar. Foi em Catende que concluí o Ensino Médio, na EREM Mendo Sampaio, escola que guardo com carinho e lembranças de poucos, mas bons amigos.
Do Nordeste ao Sul: o choque dos contrastes
Aos 22 anos, deixei o Nordeste e fui morar em Curitiba, no Paraná. Sempre achei bonito o frio e o charme das roupas de inverno, mas viver o frio de verdade foi outra história. Que frioooo. Ainda assim, Curitiba tinha algo especial: uma cidade bonita, organizada, cheia de parques e de uma arquitetura planejada que chamava atenção. Era limpa, arborizada, bem cuidada. Tudo parecia funcionar com disciplina e ordem. Isso me impressionava e me inspirava.
Mas também foi em Curitiba que percebi de forma mais clara a xenofobia e o preconceito. Trabalhando com o público, nem sempre encontrei gentileza. Muitas vezes havia olhares e atitudes que machucavam. Ainda assim, segui tentando mostrar meu jeito simpático e otimista de ser nordestino. Não deixei de ser quem eu era, e isso me ajudou a passar por aqueles dias.
Depois me mudei para São Paulo. Foi lá que vivi experiências marcantes: fui para a balada pela primeira vez, conheci pessoas inteligentes e ambiciosas, aprendi a lutar por objetivos. São Paulo me mostrou que, se eu quisesse crescer, teria que ralar muito, perder horas de sono e ter garra. Foi nessa cidade que descobri que queria ser arquiteto, e percebi que meu talento como designer gráfico podia abrir portas para algo maior.
Descobrindo-se ainda mais nordestino
Morar fora me fez sentir falta da minha terra. Saudade da minha família, das festas de São João, do frevo, das marchinhas de carnaval, das bandas marciais, da militância política das ruas. Senti falta das festas de aniversário de cidade, dos luais em Maceió, dos bailes temáticos simples, mas cheios de aconchego.
Era a falta de sentir o sangue nordestino pulsando dentro de mim, de viver de perto as cores, os cheiros, a alegria. Curitiba me deu organização e beleza, São Paulo me deu oportunidades e sonhos, mas nenhum desses lugares substituiu a sensação de pertencimento que só o Nordeste oferece.
O retorno: reconectar-se consigo mesmo
Voltar para Pernambuco foi uma escolha de coração. Eu estava cansado, mentalmente exausto do ritmo acelerado de São Paulo e da frieza de Curitiba. Eu precisava recuperar minha essência, me reaproximar da minha família e do que fazia sentido para mim.
E o retorno foi transformador. Eu não era mais o mesmo. Voltei com outra mentalidade, mais maduro, com uma bagagem enorme de experiências que mudaram a forma como eu enxergo o mundo. E foi aí que percebi: nem todos conseguiram me acompanhar. Muitas pessoas esperavam reencontrar o mesmo Álvaro que tinha ido embora, mas encontraram alguém diferente. E para algumas delas foi difícil aceitar.
Mas isso faz parte. Mudanças assustam, tanto para quem muda quanto para quem observa de fora. Hoje compreendo isso de forma mais leve. Não guardo mágoa, mas também não abro mão de quem me tornei. Crescer é aceitar que algumas pessoas ficam pelo caminho, e que outras chegam quando menos esperamos.
No fim das contas, sigo em frente com gratidão. Gratidão a Maceió, a Catende, a Curitiba, a São Paulo e, acima de tudo, ao meu Nordeste que pulsa dentro de mim. É a minha raiz, o que me aquece mesmo nos lugares mais frios, e o que me faz ser quem eu sou.




















































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